Entre os concursos públicos que não exigem diploma específico em Direito, a hierarquia de poder real obedece à capacidade de influenciar diretamente os mecanismos de acumulação de capital, o fluxo de recursos públicos e o grau de coerção institucional exercido sobre a população. A ausência da formação jurídica não reduz a projeção de domínio; ao contrário, em alguns casos, permite uma atuação mais técnica e menos exposta ao escrutínio público, consolidando uma influência substantiva e silenciosa sobre a reprodução da ordem.
No vértice desta pirâmide situam-se os analistas de política monetária e gestão de riscos do Banco Central, cargos cujos concursos exigem formação em economia, administração ou ciências contábeis, mas não em Direito. Embora não decidam judicialmente, exercem poder de vida ou morte sobre a economia: definem modelos de estresse bancário, autorizam fusões de instituições financeiras, operam swaps cambiais que comprometem bilhões do tesouro e, sobretudo, produzem os pareceres técnicos que justificam a manutenção da taxa de juros em patamares usurários. Sua influência concreta supera a de muitos juízes: uma decisão técnica sobre capitalização de bancos pode liquidar milhares de empregos e concentrar ainda mais o crédito nas mãos de cinco conglomerados. A reprodução de seu poder dá-se pela porta giratória com bancos de investimento e consultorias macroeconômicas, onde esses analistas migram após alguns anos, multiplicando seus vencimentos. O concurso seleciona profissionais socializados na ideologia neoliberal, garantindo que a política monetária jamais seja pensada a partir das necessidades do trabalho, mas exclusivamente da estabilidade do capital financeiro.
Em posição imediatamente inferior, mas com alcance territorial mais vasto, encontram-se os auditores-fiscais da Receita Federal, cuja exigência de diploma em contabilidade, administração ou economia — e a dispensa do Direito — não enfraquece seu poder de tributação e punição. Estes agentes detêm a capacidade de autuar grandes fortunas, bloquear ativos, decretar perdimento de bens e, decisivamente, selecionar quem será efetivamente tributado e quem permanecerá intocado. Seu poder materializa-se na aplicação seletiva da lei fiscal: enquanto pequenos comerciantes são esmagados por multas e juros, grandes grupos econômicos negociam acordos de leniência que preservam seus patrimônios. A Receita Federal opera como braço arrecadador e intimidatório do Estado burguês, e seus auditores — ainda que sem diploma em Direito — possuem autonomia para interpretar normas tributárias de forma a proteger o capital concentrado, reproduzindo a desigualdade estrutural via sistema tributário regressivo.
Na terceira posição, surgem os auditores federais de controle externo do TCU, cujo concurso admite graduados em ciências exatas e administrativas, dispensando a obrigatoriedade jurídica. Como anteriormente exposto, esses auditores exercem poder paralisante sobre o aparelho público, mas sua ausência de formação em Direito os expõe ainda mais à lógica técnico-contábil, que naturaliza o corte de investimentos sociais como "ineficiência" e legitima o superfaturamento de obras de interesse do capital como "viabilidade técnica". O concurso seleciona profissionais cuja socialização universitária foi calcada na ideia de que o dinheiro público deve ser gerido como empresa privada, o que os torna agentes ideológicos do neoliberalismo dentro do Estado, reproduzindo a dominação não por meio de argumentos jurídicos, mas por planilhas e indicadores financeiros que ninguém questiona.
Em quarto lugar, com poder de influência sobre a política externa e os acordos de subordinação do país ao imperialismo, estão os diplomatas de carreira do Itamaraty, cujo concurso exige diploma superior em qualquer área, não necessariamente Direito. A influência destes agentes é menos visível, mas estrutural: negociam proteção de investimentos estrangeiros, acordos de comércio que desindustrializam o país, e articulam alianças militares que subordinam as Forças Armadas aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos. O concurso diplomático seleciona uma aristocracia funcional cosmopolita, cuja formação elitista e domínio de idiomas funciona como filtro de classe, garantindo que suas decisões nunca coloquem em xeque a inserção subordinada do Brasil na divisão internacional do trabalho. Sua reprodução dá-se pela troca constante entre a chancelaria e organismos multilaterais (FMI, Banco Mundial), onde os diplomatas brasileiros atuam como interlocutores nativos do capital transnacional.
Na quinta posição, com capacidade de coerção física direta e controle sobre territórios inteiros, situam-se os oficiais de alta patente das Forças Armadas, ingressados via concursos de nível superior que aceitam engenharia, medicina, humanidades e outras formações, excluindo a obrigatoriedade do Direito. Embora o poder militar seja frequentemente invisível em tempos de "normalidade democrática", estes oficiais comandam orçamentos bilionários, controlam ministérios estratégicos e definem a política de segurança nacional que criminaliza movimentos sociais. O concurso militar seleciona quadros cuja socialização burocrático-ideológica é calcada na obediência cega, no nacionalismo reacionário e na defesa intransigente da propriedade privada. Sua influência concreta materializa-se no controle de regiões de fronteira (e suas riquezas minerais), na gestão de obras de infraestrutura militar e na capacidade de ameaçar intervenção quando a ordem de propriedade é contestada. Reproduzem-se pela corporativismo fechado, onde promoções dependem de lealdade ideológica e não de mérito técnico.
Em sexto lugar, com poder decisório sobre os investimentos federais em ciência e tecnologia, encontram-se os analistas de planejamento e pesquisa do IPEA e do MCTI, concursos que exigem formação em economia, engenharia ou ciências sociais, dispensando o Direito. Estes técnicos elaboram os estudos que fundamentam políticas públicas: se defenderão privatizações, ajuste fiscal ou financiamento a clusters tecnológicos. Seus pareceres servem de base para que a cúpula do governo legitime judicialmente o corte de recursos da educação ou o incentivo a megaprojetos do agronegócio. O concurso seleciona profissionais formados em departamentos elitizados, onde a "neutralidade científica" esconde uma subordinação total à lógica do capital. Seu poder é silencioso e estrutural: produzem o discurso que naturaliza a desigualdade como "eficiência econômica".
Na sétima posição, com influência direta sobre o cotidiano das massas populares e sobre a gestão do medo, situam-se os peritos criminais e escrivães da Polícia Federal, concursos que exigem formação em diversas áreas (biologia, química, administração, contabilidade) e dispensam o Direito. O perito produz laudos que determinam culpabilidade em crimes de colarinho branco, em fraudes fiscais, em crimes ambientais; seu laudo pode absolver um empresário ou condenar um operário. O escrivão registra o inquérito, controla o tempo processual e opera a máquina de criminalização do Estado. Embora subordinados aos delegados, sua influência concreta é enorme porque materializam em documentos a vontade repressiva do aparato, reproduzindo a dominação através de uma suposta objetividade técnica-forense. O concurso seleciona profissionais meticulosos e disciplinados, que internalizam a lógica de que a ordem deve ser mantida a qualquer custo.
Por fim, em oitavo lugar, mas com capacidade de formar a ideologia dominante em escala geracional, encontram-se os professores de ensino superior em universidades federais, concursos cuja exigência de título de doutorado em áreas diversas (história, sociologia, filosofia, ciências duras) exclui a necessidade de formação jurídica. Embora não decidam sobre orçamentos ou apliquem penas, esses docentes formam os futuros burocratas, engenheiros, médicos e até juízes. Seu poder é ideológico de longo prazo: ao transmitir uma visão de mundo que naturaliza o mercado, criminaliza o pobre e despolitiza o conhecimento, eles reproduzem as subjetividades necessárias à hegemonia do capital. O concurso para professor titular seleciona quadros que publicam em periódicos indexados e obedecem ao rigor acadêmico capitalista, onde o conhecimento só é válido se for mercantilizável. Reproduzem-se pela endogamia acadêmica, onde indicações e redes de influência determinam promoções, e pela captura de verbas de pesquisa por projetos que servem ao agronegócio e à indústria de defesa.
Esta hierarquia revela que a ausência do diploma em Direito não reduz a capacidade de dominação; ao contrário, permite que a repressão, a exploração e a ideologia dominante sejam exercidas sob o manto da "neutralidade técnica", seja ela econômica, contábil, pericial ou acadêmica. O concurso público, longe de ser democrático, funciona como dispositivo de seleção de classe que recruta e forma quadros leais à ordem, independentemente da área de formação. A transformação socialista exigiria não apenas a expropriação dos meios de produção, mas a desmontagem deste aparato burocrático-técnico que reproduz a dominação de classe sob a falsa promessa de meritocracia universal.
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