A hierarquia dos cargos públicos concursados que efetivamente detêm posições de comando no aparato estatal, e por extensão participam da estrutura de dominação de classe, obedece a uma lógica em que o poder está diretamente correlacionado ao grau de autonomia funcional, ao potencial de interferência sobre o processo de acumulação de capital e ao lugar ocupado na cadeia de reprodução da hegemonia burguesa. A análise materialista revela que, longe de serem meras funções técnicas, estes postos são posições de classe dentro do Estado, cujos ocupantes exercem poder de vida ou morte sobre projetos econômicos, libertação ou prisão de sujeitos sociais e legitimação ou ilegitimação de atores políticos.
No cume desta pirâmide situam-se os juízes e desembargadores dos tribunais superiores e regionais, cujos concursos de ingresso e promoções internas configuram uma das mais altas barreiras de seleção ideológica e técnica do aparato estatal. O concurso para juiz federal, estadual ou do trabalho exige não apenas domínio jurídico, mas a internalização de uma ideologia que naturaliza a propriedade privada, a contratação capitalista e a repressão estatal como neutrais. Uma vez aprovados, esses servidores gozam de vitaliciedade, salários que superam R 30 mil mensais e o poder de decidir sobre questões que impactam diretamente a acumulação de capital: suspensão de licenças ambientais, liberação de terras indígenas para o agronegócio, concessão de habeas corpus para empresários envolvidos em crimes fiscais e criminalização de greves. A decisão de um juiz federal pode paralisar uma hidrelétrica bilionária ou liberar uma mineradora em terras quilombolas; um desembargador pode anular uma eleição municipal inteira. Esta autoridade jurisdicional soberana os coloca acima até mesmo de ministros de Estado em termos de influência concreta sobre territórios e populações específicas. O mecanismo de reprodução deste poder reside na seletividade de classe do próprio concurso: a exigência de anos de estudo privado, a cultura jurídica elitizada e a ausência de cotas efetivas garantem que sua composição social seja majoritariamente oriunda das frações dominantes e média-alta.
Na posição imediatamente inferior, mas com poder econômico-fiscal equivalente, encontram-se os membros do Ministério Público (procuradores da República, procuradores do Trabalho, procuradores de Tribunais Superiores). O concurso para o MPF é o mais concorrido do país, com salários iniciais que ultrapassam R 25 mil e a perspectiva de promoção a cargos de procurador-geral, com remuneração próxima a R 40 mil. Estes agentes detêm o poder investigatório e acusatório sobre a vida política: deflagram operações que destroem reputações, negociam delações premiadas que definem os rumos do sistema partidário e arquivam investigações sobre crimes empresariais quando estes interessam ao capital. A Lava Jato exemplifica este poder: procuradores converteram-se em atores políticos protagonistas, definindo agenda econômica (privatização da Petrobrás), linhas sucessórias (prisões de pré-candidatos) e alianças internacionais (cooperação com DoJ americano). Sua posição na hierarquia é reforçada pela impunidade funcional e pelo controle sobre o sistema carcerário, que converte-se em moeda de troca com a classe empresarial. O concurso seleciona indivíduos com perfil autoritário e meritocrático, garantindo que a reprodução do MPF signifique a reprodução de uma casta que identifica a ordem de propriedade com a ordem moral.
Em terceiro lugar, com poder menos espetacular juridicamente, mas superior em capacidade de paralisia econômica, situa-se o auditor federal de controle externo do TCU e seus equivalentes nos Tribunais de Contas estaduais. O concurso para o TCU exige aprovação em provas técnicas de auditoria, contabilidade e direito financeiro, com salários iniciais próximos a R 23 mil e teto que pode chegar a R 37 mil. Entretanto, seu poder material não deriva apenas da remuneração, mas da faculdade de emitir tomada de contas especial, multar gestores, impedir pagamentos e recomendar a suspensão de políticas públicas inteiras. Um auditor pode bloquear repasses do SUS a um município que descumpre meta fiscal, inviabilizando a saúde de milhões; pode sancionar uma estatal que financie desenvolvimento regional, abrindo caminho para sua privatização. Sua posição é de delegado do capital financeiro dentro do Estado: suas auditorias seguem metodologias das Big Four (Deloitte, KPMG, PwC, EY), e seus pareceres são considerados “opinião técnica” que o Legislativo e o Executivo raramente desafiam. O mecanismo de reprodução deste poder reside na porta giratória com consultorias privadas e no controle sobre o discurso da “eficiência fiscal”, que naturaliza o corte de gastos sociais. Diferentemente do MPF, cujo poder é midiático, o do TCU é silencioso e letal: destrói projetos sem alarde, incrustando-se na rotina administrativa como um vírus do capital.
Na quarta posição estão os procuradores e auditores-fiscais da Receita Federal, conquistados via concurso com salários iniciais acima de R 21 mil. Seu poder decorre do controle sobre a circulação de capitais: definem quem será investigado por sonegação, quem terá ativos bloqueados, quem receberá créditos tributários milionários. A Receita é o braço arrecadador e punitivo do Estado burguês, e seus auditores detêm autonomia para autuar grandes corporações, mas historicamente o fazem de forma seletiva, concentrando a repressão em pequenos empresários e profissionais liberais, enquanto negociam acordos lenientes com conglomerados. O concurso seleciona profissionais com perfil de contador-gestor, cujo discurso oficial é o de “combate à sonegação”, mas cuja prática reproduz a proteção ao capital concentrado. Sua influência se materializa na capacidade de inviabilizar a gestão de governos progressistas, mediante ações de fiscalização desproporcionais contra estados e municípios que adotem políticas de esquerda.
Em quinto lugar surgem os delegados da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, cujos concursos exigem formação superior e oferecem salários entre R 15 mil e R 20 mil. Seu poder é puro coerção física e simbólica: conduzem operações que destroem reputações, cumprem mandados de prisão de líderes sociais e decidem quais redes criminais serão desmanteladas e quais serão preservadas. A Polícia Federal opera como braço armado do MPF e do Judiciário, mas com autonomia operacional que lhes permite construir narrativas midiáticas, vazar informações sigilosas e negociar com a grande imprensa. O concurso para delegado seleciona indivíduos com perfil hierárquico e leal ao sistema, garantindo que a repressão seja sempre direcionada para os crimes dos pobres e dos políticos que atrapalham o capital, e jamais para os crimes de colarinho branco que sustentam a oligarquia financeira. Sua posição na hierarquia é reforçada pela militarização crescente e pela fusão de interesses com as Forças Armadas.
Finalmente, em sexto lugar, mas ainda dentro da elite funcional, encontram-se os diplomatas de carreira do Itamaraty, cujos concursos são os mais seletivos do país em termos de exigência cultural e idiomas. Seu poder, embora menos visível internamente, é crucial na reprodução do imperialismo: negociam acordos comerciais que subordinam o Brasil aos interesses das multinacionais, defendem patentes de medicamentos que mantêm a saúde como mercadoria e articulam alianças geopolíticas que garantem a posição do país como periférica na divisão internacional do trabalho. O concurso diplomático seleciona uma aristocracia funcional, cuja formação em escolas particulares e universidades de elite garante que suas decisões nunca coloquem em questão a dependência econômica do país. Seu poder concreto reside na capacidade de traduzir a dominação internacional em políticas nacionais, negociando empréstimos com o FMI, acordos de proteção de investimentos e parcerias militares que subordinam as Forças Armadas brasileiras às estratégias do imperialismo norte-americano.
Esta hierarquia revela que os concursos públicos de elite funcionam como dispositivos de cooptação e seleção de classe, garantindo que as posções-chave do Estado sejam ocupadas por sujeitos socializados na ideologia dominante. O mérito técnico é um véu que oculta o mérito de classe: a capacidade de estudar anos em cursinhos caros, de ter acesso a educação superior de qualidade e de interiorizar os valores da ordem são pré-requisitos não escritos, mas decisivos. A reprodução deste sistema ocorre via elitização progressiva: quanto maior o poder do cargo, mais o concurso exige formação que só a burguesia e a classe média alta podem adquirir, e mais o salário e os privilégios isolam o servidor das condições materiais da maioria trabalhadora. Assim, o concurso público de elite não é um instrumento de mobilidade social, mas um mecanismo de legitimação da dominação de classe, que recicla quadros leais para garantir que o Estado permaneça, em essência, um comitê de gestão dos interesses do capital.
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Entre os concursos públicos que não exigem diploma específico em Direito, a hierarquia de poder real obedece à capacidade de influenciar diretamente os mecanismos de acumulação de capital, o fluxo de recursos públicos e o grau de coerção institucional exercido sobre a população. A ausência da formação jurídica não reduz a projeção de domínio; ao contrário, em alguns casos, permite uma atuação mais técnica e menos exposta ao escrutínio público, consolidando uma influência substantiva e silenciosa sobre a reprodução da ordem.
No vértice desta pirâmide situam-se os analistas de política monetária e gestão de riscos do Banco Central, cargos cujos concursos exigem formação em economia, administração ou ciências contábeis, mas não em Direito. Embora não decidam judicialmente, exercem poder de vida ou morte sobre a economia: definem modelos de estresse bancário, autorizam fusões de instituições financeiras, operam swaps cambiais que comprometem bilhões do tesouro e, sobretudo, produzem os pareceres técnicos que justificam a manutenção da taxa de juros em patamares usurários. Sua influência concreta supera a de muitos juízes: uma decisão técnica sobre capitalização de bancos pode liquidar milhares de empregos e concentrar ainda mais o crédito nas mãos de cinco conglomerados. A reprodução de seu poder dá-se pela porta giratória com bancos de investimento e consultorias macroeconômicas, onde esses analistas migram após alguns anos, multiplicando seus vencimentos. O concurso seleciona profissionais socializados na ideologia neoliberal, garantindo que a política monetária jamais seja pensada a partir das necessidades do trabalho, mas exclusivamente da estabilidade do capital financeiro.
Em posição imediatamente inferior, mas com alcance territorial mais vasto, encontram-se os auditores-fiscais da Receita Federal, cuja exigência de diploma em contabilidade, administração ou economia — e a dispensa do Direito — não enfraquece seu poder de tributação e punição. Estes agentes detêm a capacidade de autuar grandes fortunas, bloquear ativos, decretar perdimento de bens e, decisivamente, selecionar quem será efetivamente tributado e quem permanecerá intocado. Seu poder materializa-se na aplicação seletiva da lei fiscal: enquanto pequenos comerciantes são esmagados por multas e juros, grandes grupos econômicos negociam acordos de leniência que preservam seus patrimônios. A Receita Federal opera como braço arrecadador e intimidatório do Estado burguês, e seus auditores — ainda que sem diploma em Direito — possuem autonomia para interpretar normas tributárias de forma a proteger o capital concentrado, reproduzindo a desigualdade estrutural via sistema tributário regressivo.
Na terceira posição, surgem os auditores federais de controle externo do TCU, cujo concurso admite graduados em ciências exatas e administrativas, dispensando a obrigatoriedade jurídica. Como anteriormente exposto, esses auditores exercem poder paralisante sobre o aparelho público, mas sua ausência de formação em Direito os expõe ainda mais à lógica técnico-contábil, que naturaliza o corte de investimentos sociais como "ineficiência" e legitima o superfaturamento de obras de interesse do capital como "viabilidade técnica". O concurso seleciona profissionais cuja socialização universitária foi calcada na ideia de que o dinheiro público deve ser gerido como empresa privada, o que os torna agentes ideológicos do neoliberalismo dentro do Estado, reproduzindo a dominação não por meio de argumentos jurídicos, mas por planilhas e indicadores financeiros que ninguém questiona.
Em quarto lugar, com poder de influência sobre a política externa e os acordos de subordinação do país ao imperialismo, estão os diplomatas de carreira do Itamaraty, cujo concurso exige diploma superior em qualquer área, não necessariamente Direito. A influência destes agentes é menos visível, mas estrutural: negociam proteção de investimentos estrangeiros, acordos de comércio que desindustrializam o país, e articulam alianças militares que subordinam as Forças Armadas aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos. O concurso diplomático seleciona uma aristocracia funcional cosmopolita, cuja formação elitista e domínio de idiomas funciona como filtro de classe, garantindo que suas decisões nunca coloquem em xeque a inserção subordinada do Brasil na divisão internacional do trabalho. Sua reprodução dá-se pela troca constante entre a chancelaria e organismos multilaterais (FMI, Banco Mundial), onde os diplomatas brasileiros atuam como interlocutores nativos do capital transnacional.
Na quinta posição, com capacidade de coerção física direta e controle sobre territórios inteiros, situam-se os oficiais de alta patente das Forças Armadas, ingressados via concursos de nível superior que aceitam engenharia, medicina, humanidades e outras formações, excluindo a obrigatoriedade do Direito. Embora o poder militar seja frequentemente invisível em tempos de "normalidade democrática", estes oficiais comandam orçamentos bilionários, controlam ministérios estratégicos e definem a política de segurança nacional que criminaliza movimentos sociais. O concurso militar seleciona quadros cuja socialização burocrático-ideológica é calcada na obediência cega, no nacionalismo reacionário e na defesa intransigente da propriedade privada. Sua influência concreta materializa-se no controle de regiões de fronteira (e suas riquezas minerais), na gestão de obras de infraestrutura militar e na capacidade de ameaçar intervenção quando a ordem de propriedade é contestada. Reproduzem-se pela corporativismo fechado, onde promoções dependem de lealdade ideológica e não de mérito técnico.
Em sexto lugar, com poder decisório sobre os investimentos federais em ciência e tecnologia, encontram-se os analistas de planejamento e pesquisa do IPEA e do MCTI, concursos que exigem formação em economia, engenharia ou ciências sociais, dispensando o Direito. Estes técnicos elaboram os estudos que fundamentam políticas públicas: se defenderão privatizações, ajuste fiscal ou financiamento a clusters tecnológicos. Seus pareceres servem de base para que a cúpula do governo legitime judicialmente o corte de recursos da educação ou o incentivo a megaprojetos do agronegócio. O concurso seleciona profissionais formados em departamentos elitizados, onde a "neutralidade científica" esconde uma subordinação total à lógica do capital. Seu poder é silencioso e estrutural: produzem o discurso que naturaliza a desigualdade como "eficiência econômica".
Na sétima posição, com influência direta sobre o cotidiano das massas populares e sobre a gestão do medo, situam-se os peritos criminais e escrivães da Polícia Federal, concursos que exigem formação em diversas áreas (biologia, química, administração, contabilidade) e dispensam o Direito. O perito produz laudos que determinam culpabilidade em crimes de colarinho branco, em fraudes fiscais, em crimes ambientais; seu laudo pode absolver um empresário ou condenar um operário. O escrivão registra o inquérito, controla o tempo processual e opera a máquina de criminalização do Estado. Embora subordinados aos delegados, sua influência concreta é enorme porque materializam em documentos a vontade repressiva do aparato, reproduzindo a dominação através de uma suposta objetividade técnica-forense. O concurso seleciona profissionais meticulosos e disciplinados, que internalizam a lógica de que a ordem deve ser mantida a qualquer custo.
Por fim, em oitavo lugar, mas com capacidade de formar a ideologia dominante em escala geracional, encontram-se os professores de ensino superior em universidades federais, concursos cuja exigência de título de doutorado em áreas diversas (história, sociologia, filosofia, ciências duras) exclui a necessidade de formação jurídica. Embora não decidam sobre orçamentos ou apliquem penas, esses docentes formam os futuros burocratas, engenheiros, médicos e até juízes. Seu poder é ideológico de longo prazo: ao transmitir uma visão de mundo que naturaliza o mercado, criminaliza o pobre e despolitiza o conhecimento, eles reproduzem as subjetividades necessárias à hegemonia do capital. O concurso para professor titular seleciona quadros que publicam em periódicos indexados e obedecem ao rigor acadêmico capitalista, onde o conhecimento só é válido se for mercantilizável. Reproduzem-se pela endogamia acadêmica, onde indicações e redes de influência determinam promoções, e pela captura de verbas de pesquisa por projetos que servem ao agronegócio e à indústria de defesa.
Esta hierarquia revela que a ausência do diploma em Direito não reduz a capacidade de dominação; ao contrário, permite que a repressão, a exploração e a ideologia dominante sejam exercidas sob o manto da "neutralidade técnica", seja ela econômica, contábil, pericial ou acadêmica. O concurso público, longe de ser democrático, funciona como dispositivo de seleção de classe que recruta e forma quadros leais à ordem, independentemente da área de formação. A transformação socialista exigiria não apenas a expropriação dos meios de produção, mas a desmontagem deste aparato burocrático-técnico que reproduz a dominação de classe sob a falsa promessa de meritocracia universal.