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Movimentos Sociais e a Expansão Estatal

O Leviatã se farta com movimentos sociais.

A relação entre movimentos sociais e o Estado sempre foi marcada por uma ambivalência. Por um lado, o Estado é percebido como instrumento potencial de emancipação, capaz de criar normas, políticas e proteções que beneficiam grupos. Por outro, consiste numa estrutura historicamente centralizadora, vertical e frequentemente dominada pelas mesmas forças que os movimentos desejam contestar. Essa dinâmica cria um paradoxo: ao recorrer ao Estado para corrigir injustiças, movimentos sociais inevitavelmente fortalecem um aparato que exerce poder sobre indivíduos e famílias, inclusive sobre aqueles que se pretende libertar.

O caso do feminismo ilustra essa contradição. Desde sua origem, o movimento buscou diminuir as assim chamadas formas de dominação baseadas em gênero, abrindo espaço para maior autonomia civil, política e econômica das mulheres. Porém, à medida que novas demandas emergem, a estratégia predominante tem sido a de aumentar a atuação estatal. Pedem-se legislações mais rigorosas, maior intervenção em relações afetivas, familiares e trabalhistas, mais fiscalização de comportamentos públicos e privados, além de políticas específicas de proteção.

Essas demandas fazem com que o Estado amplie seu raio de ação. Amplia-se o escopo do Judiciário para tratar relações íntimas; expande-se o papel da polícia e do Ministério Público; criam-se órgãos burocráticos de regulação, fiscalização e punição. E como o Estado funciona essencialmente por meio de monopólios (força, controle normativo e autoridade legal) qualquer expansão de sua atividade resulta também na intensificação de sua presença na vida cotidiana.

A contradição se agrava quando se observa a estrutura interna das instituições estatais: historicamente, suas esferas de comando são majoritariamente ocupadas por homens ou por culturas organizacionais formadas sob lógicas hierárquicas. Assim, paradoxalmente, ao demandar proteção institucional, o movimento feminista acaba por reforçar a autoridade de um aparato que, em grande medida, permanece representado e administrado segundo padrões que ele próprio critica. Essas reivindicações, portanto, tendem a fortalecer justamente o sistema que se pretendia limitar ou transformar.

É importante notar que esse fenômeno não é exclusivo do feminismo. Trata-se de uma consequência estrutural de qualquer movimento social que recorra ao Estado como agente de mudança. Leis trabalhistas expandem o controle estatal sobre a economia e as relações contratuais; políticas antirracistas ampliam a fiscalização sobre práticas discursivas e institucionais; programas sociais reforçam o papel central do Estado na distribuição de recursos. Em todos esses casos, o Estado se torna árbitro, mediador e fiscalizador de esferas que antes eram deixadas à dinâmica privada. Quanto maior a demanda por proteção, maior a intensidade da intervenção estatal. E quanto maior a intervenção, maior a concentração de autoridade política e burocrática.

Esta é a inconciliação entre autonomia individual e proteção institucional. Movimentos sociais frequentemente operam numa zona limítrofe entre o desejo de emancipar e a necessidade de recorrer a estruturas de poder para garantir essa emancipação. Pois classes inferiores só conseguem alcançar suas demandas por meio da consonância e convencimento de grupos superiores que detêm o poder.

As consequências de transformar cada reivindicação social em um novo mandato estatal é o aumento da centralização e controle do Estado na vida das pessoas comuns. O problema reside no padrão estrutural que acompanha toda tentativa de resolver conflitos sociais por meio de instituições que, ao mesmo tempo em que dizem proteger, governam e, ao governar, ampliam seu próprio poder.

Replies (9)

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Tem quase um dia que estou tentando usar esse plugin do obsidian para postar notas no Jumble, simplesmente não sei fazer isso 🤦