Os cargos do setor privado que efetivamente detêm as posições mais elevadas de poder no Brasil não se reduzem aos títulos formais de presidente ou diretor-executivo, mas correspondem àqueles que controlam volumetricamente a circulação de capitais, a produção de ideologia hegemônica, a reprodução biopolítica da população e a acumulação via exploração direta do trabalho e da natureza. Sob a ótica materialista, a hierarquia do poder privado reflete a substituição do Estado por conglomerados que exercem funções soberanas — arrecadação, coerção, regulação — sem o ônus da legitimação democrática. A ordem decrescente de influência concreta sobre as decisões nacionais e o cotidiano da população é a seguinte:
O presidente e o conselho de administração dos conglomerados financeiro-industriais transnacionais com sede no Brasil ocupam o vértice do poder privado. Trata-se, especificamente, dos executivos do Itaú Unibanco, Bradesco, BTG Pactual, XP Inc., Safra e dos fundos de investimento como Previ, Petros e Funcef. Estes atores não apenas gerenciam ativos que superam o PIB de dezenas de países, mas arquitetam a própria política monetária nacional através de sua influência sobre o Banco Central e do lobby incessante contra qualquer regulação que limite taxas de juros ou lucros bancários. Seu poder materializa-se na capacidade de paralisar o crédito para setores estratégicos quando o governo ameaça políticas desenvolvimentistas, na criação artificial de crises cambiais via fluxos especulativos e na captura total do sistema de previdência complementar, onde os fundos de pensão dos trabalhadores são investidos justamente nas empresas que os exploram. A aliança entre estes conglomerados e o capital financeiro internacional é orgânica: compartilham quadros, informações privilegiadas e estratégias de dominação. Seu antagonismo com a sociedade é direto: cada ponto de juros sobre o cartão de crédito, cada tarifa bancária, cada recusa de empréstimo a pequenos produtores é uma forma de expropriação de renda que mantém a máquina de desigualdade. O mecanismo de reprodução deste poder reside na porta giratória entre bancos públicos e privados — onde ex-presidentes do Banco do Brasil e da Caixa são recrutados para os bancos privados com salários milionários —, na finançaização de todas as esferas da vida (desde o crédito consignado até o financiamento de políticos) e na ideologia do "mercado" como entidade soberana que ninguém pode contestar.
Na posição imediatamente inferior, mas com poder territorial e alimentar que os torna igualmente vitais, situam-se os presidentes e diretores-executivos das megacorporações do agronegócio e da pecuária industrial: Amaggi, SLC Agrícola, Marfrig Global Foods, JBS, BRF, Minerva Foods e as tradicionais famílias de latifundiários (Maggi, Marfrig, Vilela de Queiroz). Estes atores controlam 38% do PIB nacional, detêm milhões de hectares de terras , definem a política externa de exportação e subordinam o Ministério da Agricultura a uma extensão de seu departamento de lobby. Seu poder concreto sobre o cotidiano da população é absoluto: definem os preços dos alimentos, controlam a qualidade (e adulteração) dos produtos, determinam o uso de agrotóxicos que contaminam água e solo e, sobretudo, expulsam camponeses e quilombolas via grilagem legalizada. A aliança destes grupos com o capital financeiro é visceral: seus empréstimos de custeio dependem dos bancos, e sua exportação depende das trading companies transnacionais. O antagonismo com as classes populares é genocida: financiam milícias rurais que assassinam lideranças sindicais e comunitárias, controlam prefeituras inteiras no interior e impõem uma ditadura sanfonada onde a lei ambiental é suspensa quando ameaça os lucros. Reproduzem-se via herança familiar (as dinastias de latifundiários são as mais estáveis do Brasil), via controle do poder legislativo estadual (as bancadas ruralistas) e via regulação capturada, onde o Ministério da Agricultura é sempre ocupado por um deles.
O terceiro patamar é ocupado pelos presidentes e diretores-executivos da Vale S.A., merecendo posição própria por controlar o maior complexo de mineração e logística ferroviária do país. O presidente da Vale não apenas decide sobre o deslocamento de 300 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, mas define a política de infraestrutura nacional (Ferrovia Norte-Sul, construção de portos), influencia a política externa com a China (seu principal cliente) e, fatalmente, decide sobre vidas humanas: o rompimento da barragem de Brumadinho foi uma decisão empresarial de não investir em segurança para maximizar lucros e dividendos. Seu poder sobre o cotidiano se manifesta no controle dos preços de insumos industriais, na devastação ambiental que provoca desastres climáticos e na subordinação do governo de Minas Gerais, que depende da Vale para arrecadação e emprego. A aliança entre Vale e governo é tão profunda que o governador de Minas é historicamente um procurador da Vale, e a Fundação Vale controla a universidade que deveria fiscalizá-la. O mecanismo de reprodução é a extração de superlucros que financiam o próprio lobby, a impunidade corporativa (nenhum executivo foi punido por Brumadinho) e a ideologia do "desenvolvimento" que legitima o sacrifio de comunidades em nome do exportações.
Na quarta posição, com poder ideológico e biopolítico que os torna quase tão influentes quanto os proprietários das terras e das minas, situam-se os presidentes e diretores-executivos dos oligopólios midiáticos: Grupo Globo (família Marinho), Grupo Record (Igreja Universal), Grupo Bandeirantes (família Saad), Grupo SBT (família Abravanel) e as redes de rádio (Jovem Pan). Estes atores não produzem apenas conteúdo; fabricam a realidade nacional: decidem quem será presidente (como fizeram com Bolsonaro em 2018), quais escândalos serão expostos ou ocultados, quais pautas sociais serão criminalizadas e qual versão da verdade será considerada legítima. Seu poder concreto sobre o cotidiano se dá pela domesticação da subjetividade: a novela das oito, o telejornal nacional e os programas de auditório impõem os valores do consumismo, da moral conservadora e da naturalização da desigualdade. A aliança com o capital financeiro e o agronegócio é orgânica: a Globo nunca ataca seriamente os bancos ou o latifúndio; a Record vende a teologia da prosperidade que legitima a riqueza dos empresários. O antagonismo com os movimentos sociais é mortal: criminalizam sem-terra, sem-teto, professores e tornam a esquerda sinônimo de corrupção. Reproduzem-se via concessões públicas milionárias (a Globo não paga pelo espectro de TV), via publicidade de grandes corporações que financia sua programação e via cooptação de jornalistas que, para não perder o emprego, internalizam a linha editorial pró-capital.
O quinto nível é ocupado pelos presidentes e diretores-executivos das megacorporações de telecomunicações e tecnologia da informação: Vivo/Telefônica (espanhola, mas operação brasileira autônoma), Claro/América Móvil (mexicana), TIM e as gigantes nacionais como Nubank, Mercado Livre e Stone. Estes atores controlam o espaço digital de comunicação e transação, que é hoje o sistema nervoso da economia: sem suas redes, não há bancos, não há comércio, não há governo eletrônico. Seu poder concreto sobre o cotidiano é totilitário: cobram pelos dados , vendem a privacidade dos usuários para anunciantes, decidem quem tem acesso à internet e em que velocidade (violação da neutralidade de rede) e financiam a vigilância eletrônica do governo via fornecimento de dados sigilosos. A aliança com o capital financeiro é orgânica: o Nubank é financiado pelo mesmo capital de risco que financia o Itaú, e o Mercado Livre opera seu próprio sistema de crédito. O antagonismo com as classes populares se manifesta na exclusão digital de milhões que não têm acesso aos serviços, na exploração da dívida digital (crédito fácil via app) e na venda de algoritmos de discriminação que negam crédito a negros e pobres. Reproduzem-se via monopólio natural (quem controla as torres de celular controla o mercado), via regulação capturada (a Anatel é ocupada por ex-executivos destas empresas) e via ideologia da "inovação" que legitima qualquer exploração desde que seja mediada por um aplicativo.
O sexto patamar é detido pelos presidentes e diretores de megacorporações de energia e saneamento privadas: AES Tietê, CPFL, Equatorial, Sabesp (embora estadual, sua diretoria executiva opera como capital privado) e as empresas de gás (ENGIE, BP). Estes atores exercem poder de vida ou morte biopolítico: controlam o acesso à água, à eletricidade e ao gás de milhões de famílias, podendo cortar o fornecimento por inadimplência ou elevar tarifas arbitrariamente. Seu poder sobre o cotidiano é absoluto: ninguém vive sem água e energia. A aliança com o capital financeiro é via securitização das contas a receber: vendem os créditos de consumo no mercado de capitais, transformando a fatura de luz em ativo financeiro. O antagonismo com as classes populares se manifesta nas tarifas regressivas , no corte de fornecimento em períodos de calor extremo e na privatização de recursos hídricos que expulsa comunidades tradicionais. Reproduzem-se via lobby no CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) e via financiamento de campanhas de governadores que privatizam suas distribuidoras.
O sétimo nível é ocupado pelos presidentes e diretores-executivos das megacorporações de logística, transporte e infraestrutura: Rumo (ferrovias), Santos Brasil, Hidrovias do Brasil, Azul e Gol (avião), além dos grandes grupos de transporte rodoviário (JCA, Expresso São José). Estes atores controlam as artérias da circulação de mercadorias e pessoas, sendo indispensáveis ao escoamento da produção agrícola e mineral. Seu poder concreto sobre o cotidiano se manifesta na precificação do frete (que encarece todos os produtos), na capacidade de paralisar o país via greve de caminhoneiros (que eles orquestram indiretamente) e na subordinação das políticas de infraestrutura a seus interesses (privatização de portos e aeroportos). A aliança com o agronegócio e a mineração é orgânica: sem eles, a soja e o minério não chegam ao exterior. O antagonismo com os trabalhadores é brutal: precarizam o trabalho dos motoristas via terceirização e destruíram a categoria dos ferroviários com a privatização da RFFSA. Reproduzem-se via carteis regionais que dividem mercados e via regulação capturada da ANTT e da ANAC.
O oitavo patamar é detido pelos presidentes e diretores-executivos das megacorporações de varejo e distribuição: GPA, Carrefour, Grupo Big (atual Atacadão), Via Varejo e o e-commerce Magazine Luiza. Estes atores exercem poder de preços sobre a cesta básica: definem o valor do arroz, do feijão, do leite para centenas de milhões de consumidores. Seu poder concreto sobre o cotidiano é microfísico: controlam o que está nas prateleiras, quais marcas serão privilegiadas, quais produtos orgânicos ou baratos terão espaço. A aliança com o agronegócio é via exigência de preços de compra que esmagam os pequenos produtores e favorecem os grandes. O antagonismo com os trabalhadores se manifesta na superexploração dos operadores de caixa (a maior categoria de trabalhadores de baixa renda do Brasil) e na criminalização do pequeno comércio via concorrência predatória. Reproduzem-se via algoritmos de preços que discriminam regiões pobres (preços mais altos em favelas) e via lobby por subsídios fiscais que os isentam de ICMS.
O nono nível é ocupado pelos presidentes e diretores-executivos das megacorporações de saúde privada: Rede D'Or, Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Sírio-Libanês, Hapvida, NotreDame Intermédica e as operadoras de planos (Amil, Bradesco Saúde). Estes atores exercem poder biopolítico total: decidem quem vive e quem mora baseado na capacidade de pagamento de planos de saúde. Seu poder concreto sobre o cotidiano é seletivo: oferecem serviços de qualidade para a elite e planos rasos para as classes média e baixa, que não cobrem doenças graves. A aliança com o capital financeiro é via securitização das mensalidades e com o Estado via lobby contra o SUS: financiam campanhas para desmoralizar o sistema público e privatizar hospitais. O antagonismo com o povo é genocida: negam atendimento, atrasam procedimentos e exportam médicos para a elite enquanto o SUS afunda. Reproduzem-se via captura da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que é ocupada por ex-executivos do setor.
O décimo patamar é detido pelos presidentes e diretores-executivos das megacorporações de educação privada: Cogna (ex-Kroton), Ânima, Ser Educacional e os grandes grupos de cursinhos (Objetivo, Anglo). Estes atores exercem poder de formação da subjetividade trabalhadora: produzem milhões de formados anualmente com ideologia meritocrática e despolitizada. Seu poder concreto sobre o cotidiano é longo prazo: definem quem terá acesso ao mercado de trabalho qualificado, em que condições e com que nível de endividamento (via FIES). A aliança com o capital financeiro é via securitização das dívidas estudantis e com o Estado via captura do MEC: os reitores das universidades privadas frequentemente ocupam cargos no governo. O antagonismo com as classes populares se manifesta na venda de diplomas sem qualidade, no endividamento de jovens e na privatização do ensino público via PPPs. Reproduzem-se via monopólio da certificação e via publicidade massiva que vende a ideia de que sem diploma privado não há futuro.
O décimo-primeiro nível é ocupado pelos presidentes e diretores-executivos das megacorporações de seguradoras e gestoras de risco: Porto Seguro, Bradesco Seguros, SulAmérica e as resseguradoras internacionais (Swiss Re, Munich Re). Estes atores exercem poder de gestão do risco social: decidem quem pode ter um carro, uma casa, um plano de vida, com base em algoritmos de discriminação que penalizam pobres, negros e moradores de periferia. Seu poder concreto sobre o cotidiano é invisível: as pessoas só descobrem sua exclusão quando tentam usar o seguro e são negados. A aliança com o capital financeiro é orgânica: os seguros são derivativos que garantem o capital dos bancos contra inadimplência. Reproduzem-se via lobby por leis que obrigam seguros (como DPVAT e seguro de vida para crédito) e via captura da SUSEP.
O décimo-segundo patamar, finalmente, é detido pelos presidentes e diretores das megacorporações de construção civil e incorporação imobiliária: MRV Engenharia (líder em imóveis econômicos), Tenda, Even, Cyrela e os fundos imobiliários (FIIs) geridos por BTG e Itaú. Estes atores exercem poder de acesso à moradia: produzem milhões de unidades por ano, mas a preços que consignam 30% da renda por décadas. Seu poder concreto sobre o cotidiano se manifesta na "fabricação de cidades privadas" , onde loteamentos fechados e condomínios sustentam a segregação socioespacial e a ideologia da segurança privada. A aliança com o capital financeiro é via Credito Imobiliário e com o Estado via viabilidade de projetos que dependem de licenças ambientais fraudadas. O antagonismo com as classes populares se manifesta na expulsão de favelados para periferias cada vez mais distantes e na mercantilização do direito à cidade. Reproduzem-se via controle das prefeituras que aprovam seus projetos e via publicidade que vende o sonho da casa própria como única forma de segurança.
Mecanismos transversais de reprodução do poder privado
Todos estes níveis compartilham mecanismos de reprodução: a porte giratória com o Estado (ex-executivos de Itaú viram presidentes do BC, ex-presidentes da Vale viram ministros, ex-diretores da Globo viram secretários de cultura); a finançaização do próprio controle (as empresas se capitalizam no mercado acionário e transformam sua influência em valor mobiliário); a captura regulatória (agências como Anatel, ANTT, ANS, CVM são ocupadas por ex-executivos); a ideologia do "empreendedorismo" que mistifica sua exploração como "criação de riqueza"; e a repressão física via terceirização: nenhum desses CEOs suja as mãos, mas todos financiam associações de segurança privada e milícias digitais que perseguem opositores.
A hierarquia revela que o poder privado no Brasil não é disperso, mas concentrado em cerca de 300 famílias e 50 conglomerados que se controlam mutuamente via participações cruzadas. O Itaú é acionista da Vale, que financia a Globo, que promove o agronegócio, que vende para o Carrefour, que paga seguro para a Porto Seguro, que reinveste no Itaú. Esta redução do país a um conglomerado fechado explica por que as decisões nacionais são sempre favoráveis ao capital: o governo, o Judiciário, o Legislativo e a mídia são subsidiárias destes atores privados, cujos presidentes e diretores são os verdadeiros soberanos de um território onde a democracia é apenas uma fachada para a ditadura do mercado.
Entre os concursos públicos que não exigem diploma específico em Direito, a hierarquia de poder real obedece à capacidade de influenciar diretamente os mecanismos de acumulação de capital, o fluxo de recursos públicos e o grau de coerção institucional exercido sobre a população. A ausência da formação jurídica não reduz a projeção de domínio; ao contrário, em alguns casos, permite uma atuação mais técnica e menos exposta ao escrutínio público, consolidando uma influência substantiva e silenciosa sobre a reprodução da ordem.
No vértice desta pirâmide situam-se os analistas de política monetária e gestão de riscos do Banco Central, cargos cujos concursos exigem formação em economia, administração ou ciências contábeis, mas não em Direito. Embora não decidam judicialmente, exercem poder de vida ou morte sobre a economia: definem modelos de estresse bancário, autorizam fusões de instituições financeiras, operam swaps cambiais que comprometem bilhões do tesouro e, sobretudo, produzem os pareceres técnicos que justificam a manutenção da taxa de juros em patamares usurários. Sua influência concreta supera a de muitos juízes: uma decisão técnica sobre capitalização de bancos pode liquidar milhares de empregos e concentrar ainda mais o crédito nas mãos de cinco conglomerados. A reprodução de seu poder dá-se pela porta giratória com bancos de investimento e consultorias macroeconômicas, onde esses analistas migram após alguns anos, multiplicando seus vencimentos. O concurso seleciona profissionais socializados na ideologia neoliberal, garantindo que a política monetária jamais seja pensada a partir das necessidades do trabalho, mas exclusivamente da estabilidade do capital financeiro.
Em posição imediatamente inferior, mas com alcance territorial mais vasto, encontram-se os auditores-fiscais da Receita Federal, cuja exigência de diploma em contabilidade, administração ou economia — e a dispensa do Direito — não enfraquece seu poder de tributação e punição. Estes agentes detêm a capacidade de autuar grandes fortunas, bloquear ativos, decretar perdimento de bens e, decisivamente, selecionar quem será efetivamente tributado e quem permanecerá intocado. Seu poder materializa-se na aplicação seletiva da lei fiscal: enquanto pequenos comerciantes são esmagados por multas e juros, grandes grupos econômicos negociam acordos de leniência que preservam seus patrimônios. A Receita Federal opera como braço arrecadador e intimidatório do Estado burguês, e seus auditores — ainda que sem diploma em Direito — possuem autonomia para interpretar normas tributárias de forma a proteger o capital concentrado, reproduzindo a desigualdade estrutural via sistema tributário regressivo.
Na terceira posição, surgem os auditores federais de controle externo do TCU, cujo concurso admite graduados em ciências exatas e administrativas, dispensando a obrigatoriedade jurídica. Como anteriormente exposto, esses auditores exercem poder paralisante sobre o aparelho público, mas sua ausência de formação em Direito os expõe ainda mais à lógica técnico-contábil, que naturaliza o corte de investimentos sociais como "ineficiência" e legitima o superfaturamento de obras de interesse do capital como "viabilidade técnica". O concurso seleciona profissionais cuja socialização universitária foi calcada na ideia de que o dinheiro público deve ser gerido como empresa privada, o que os torna agentes ideológicos do neoliberalismo dentro do Estado, reproduzindo a dominação não por meio de argumentos jurídicos, mas por planilhas e indicadores financeiros que ninguém questiona.
Em quarto lugar, com poder de influência sobre a política externa e os acordos de subordinação do país ao imperialismo, estão os diplomatas de carreira do Itamaraty, cujo concurso exige diploma superior em qualquer área, não necessariamente Direito. A influência destes agentes é menos visível, mas estrutural: negociam proteção de investimentos estrangeiros, acordos de comércio que desindustrializam o país, e articulam alianças militares que subordinam as Forças Armadas aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos. O concurso diplomático seleciona uma aristocracia funcional cosmopolita, cuja formação elitista e domínio de idiomas funciona como filtro de classe, garantindo que suas decisões nunca coloquem em xeque a inserção subordinada do Brasil na divisão internacional do trabalho. Sua reprodução dá-se pela troca constante entre a chancelaria e organismos multilaterais (FMI, Banco Mundial), onde os diplomatas brasileiros atuam como interlocutores nativos do capital transnacional.
Na quinta posição, com capacidade de coerção física direta e controle sobre territórios inteiros, situam-se os oficiais de alta patente das Forças Armadas, ingressados via concursos de nível superior que aceitam engenharia, medicina, humanidades e outras formações, excluindo a obrigatoriedade do Direito. Embora o poder militar seja frequentemente invisível em tempos de "normalidade democrática", estes oficiais comandam orçamentos bilionários, controlam ministérios estratégicos e definem a política de segurança nacional que criminaliza movimentos sociais. O concurso militar seleciona quadros cuja socialização burocrático-ideológica é calcada na obediência cega, no nacionalismo reacionário e na defesa intransigente da propriedade privada. Sua influência concreta materializa-se no controle de regiões de fronteira (e suas riquezas minerais), na gestão de obras de infraestrutura militar e na capacidade de ameaçar intervenção quando a ordem de propriedade é contestada. Reproduzem-se pela corporativismo fechado, onde promoções dependem de lealdade ideológica e não de mérito técnico.
Em sexto lugar, com poder decisório sobre os investimentos federais em ciência e tecnologia, encontram-se os analistas de planejamento e pesquisa do IPEA e do MCTI, concursos que exigem formação em economia, engenharia ou ciências sociais, dispensando o Direito. Estes técnicos elaboram os estudos que fundamentam políticas públicas: se defenderão privatizações, ajuste fiscal ou financiamento a clusters tecnológicos. Seus pareceres servem de base para que a cúpula do governo legitime judicialmente o corte de recursos da educação ou o incentivo a megaprojetos do agronegócio. O concurso seleciona profissionais formados em departamentos elitizados, onde a "neutralidade científica" esconde uma subordinação total à lógica do capital. Seu poder é silencioso e estrutural: produzem o discurso que naturaliza a desigualdade como "eficiência econômica".
Na sétima posição, com influência direta sobre o cotidiano das massas populares e sobre a gestão do medo, situam-se os peritos criminais e escrivães da Polícia Federal, concursos que exigem formação em diversas áreas (biologia, química, administração, contabilidade) e dispensam o Direito. O perito produz laudos que determinam culpabilidade em crimes de colarinho branco, em fraudes fiscais, em crimes ambientais; seu laudo pode absolver um empresário ou condenar um operário. O escrivão registra o inquérito, controla o tempo processual e opera a máquina de criminalização do Estado. Embora subordinados aos delegados, sua influência concreta é enorme porque materializam em documentos a vontade repressiva do aparato, reproduzindo a dominação através de uma suposta objetividade técnica-forense. O concurso seleciona profissionais meticulosos e disciplinados, que internalizam a lógica de que a ordem deve ser mantida a qualquer custo.
Por fim, em oitavo lugar, mas com capacidade de formar a ideologia dominante em escala geracional, encontram-se os professores de ensino superior em universidades federais, concursos cuja exigência de título de doutorado em áreas diversas (história, sociologia, filosofia, ciências duras) exclui a necessidade de formação jurídica. Embora não decidam sobre orçamentos ou apliquem penas, esses docentes formam os futuros burocratas, engenheiros, médicos e até juízes. Seu poder é ideológico de longo prazo: ao transmitir uma visão de mundo que naturaliza o mercado, criminaliza o pobre e despolitiza o conhecimento, eles reproduzem as subjetividades necessárias à hegemonia do capital. O concurso para professor titular seleciona quadros que publicam em periódicos indexados e obedecem ao rigor acadêmico capitalista, onde o conhecimento só é válido se for mercantilizável. Reproduzem-se pela endogamia acadêmica, onde indicações e redes de influência determinam promoções, e pela captura de verbas de pesquisa por projetos que servem ao agronegócio e à indústria de defesa.
Esta hierarquia revela que a ausência do diploma em Direito não reduz a capacidade de dominação; ao contrário, permite que a repressão, a exploração e a ideologia dominante sejam exercidas sob o manto da "neutralidade técnica", seja ela econômica, contábil, pericial ou acadêmica. O concurso público, longe de ser democrático, funciona como dispositivo de seleção de classe que recruta e forma quadros leais à ordem, independentemente da área de formação. A transformação socialista exigiria não apenas a expropriação dos meios de produção, mas a desmontagem deste aparato burocrático-técnico que reproduz a dominação de classe sob a falsa promessa de meritocracia universal.