escrevi isto em 2018 e ia adorar conversar mais sobre o assunto:
Como as pessoas aprendem (a obedecer)
Muitos pais conduzem o aprendizado dos filhos desde bebês considerando-os como um papel em branco a ser preenchido. Ao invés de permitirem que entrem, por si, em contato com as coisas, impõem sua forma de se relacionar com objetos, situações e pessoas. Este tipo de aprendizado é pautado no pretenso controle de quem ensina e na passividade de quem é ensinado.
Imagine um adulto que pega as mãos de um bebê e as coloca forçosamente sobre um piano para que escute o som que sai quando pressiona as teclas. Quando isso acontece a criança perde a oportunidade de observar, sentir e tocar aquele objeto a partir da sua própria experiência, entendendo sobre textura, sobre o próprio movimento, sobre temperatura, entre outras possibilidades. É claro que isso não impede o aprendizado, mas o limita ao que os adultos que o estão ali conduzindo já conhecem - limita-o à forma como aquele adulto vê e sente o mundo. No momento em que essa interferência é feita, a criança perde a oportunidade de criar sua própria maneira de se relacionar com aquele objeto sensorial, emocional, psicológica e cognitivamente. Ela passa a criar a sua maneira de se relacionar com o aspecto do objeto que o adulto lhe está mostrando, ao invés de se relacionar diretamente com o objeto.
Ao menos quatro lições normalmente são aprendidas intuitivamente a partir desse modo de aprendizagem: é necessário obedecer sem que se entenda muito bem o motivo; a melhor forma de aprender é fazer exatamente igual a um adulto ou ao que o adulto lhe diz (ainda que suas ações o contradigam); existe uma única maneira de interagir com os objetos, situações e pessoas; e, finalmente, as outras pessoas (muitas vezes as mais experientes) são as únicas capazes de conduzir o seu aprendizado.
pollyanna
pollyanna
npub1fcyg...9c3g
escrevi isto 7 anos atrás e deu vontade de compartilhar aqui:
--
quando eu vi tanta gente tentando enganar o outro eu me lembrei de tantas vezes não falar o que penso por medo de não ser aceita - me vi enganando.
quando eu vi tanta gente confusa, repetindo jargões por todos os lados sem pensar direito, sem sentir, sem olhar, eu me lembrei das tantas vezes que não vi o que estava à minha frente, cega pelas minhas certezas.
quando eu vi ódio eu me lembrei de toda raiva que senti, não me permiti acessar e não acolhi.
quando eu vi manipulação lembrei de tantas vezes desejar agradar o outro em uma conversa. tantas vezes querer mudar a emoção dele, sem respeitar a que estava se manifestando no momento.
quando eu vi crença na superioridade moral eu me lembrei do quanto eu acreditei que a vida era uma escada rumo à evolução. me lembrei das vezes que competi secretamente desejando ser a mais boazinha e a que salva a todos.
quando eu vi medo eu me lembrei de momentos em que me faltou coragem para me ver de verdade. ver toda raiva que senti e guardei. ver a inveja, a vaidade, o orgulho que se instalaram diversas vezes dentro de mim.
quando vi pena, me lembrei das vezes que quis salvar o outro porque me achava superior, não confiava em suas potencialidades.
quando vi o outro, me vi.
e quando me vi nele me lembrei que não estou sozinha aqui. aquele que parece tão diferente me mostra exatamente o que existe em mim. e eu quero dizer isso de todas as formas que conseguir.
só tenta manipular quem não se sente livre pra ser quem é
eu escrevi isto há cinco anos e este tema apareceu na minha prática desta manhã. não porque ele se repete, idêntico. não sou a mesma, e quando acredito que algo se repete é porque ainda não consegui perceber a novidade que me traz.
talvez eu esteja triste, mas essa não é uma tristeza devastadora como um furacão que passa movendo tudo de lugar.
é só uma tristeza que surgiu depois da súbita consciência de que a pressa pra viver antes de morrer me fazia adiar o que era mais importante.
pensava que fazer o crucial marcaria imediatamente meu fim mas, descobri, eu precisava agora daquilo que percebi como mais importante. e vivê-lo não seria o fim da minha vida embora com certeza marcasse o fim de uma vida minha.
era principalmente o começo. o começo de uma nova vida.
e agora assumo a tristeza, essa que surgiu quando me dei conta de que esse começo não revela nada grandioso, nenhuma ação heróica causadora de enormes explosões de transformação em tudo.
é um começo tão simples quanto o cair de uma folha de uma árvore qualquer em seu devido tempo acompanhada do vento.
eu sinto essa tristeza me percorrendo devagar e já me sinto tomada pela beleza das sutilezas cotidianas. me emociona um pequeno pé recostado em minha perna e um braço com uma pele macia tocando de leve o meu.
essa simplicidade toda me toca a superfície e as profundezas e me move tão delicadamente que se vai todo o pesar por minha existência ser brisa.


quando nós nos deixamos sentir tudo o que chega pra sentirmos e não tentamos esconder, negar, reprimir as emoções, somos abraçados por uma transformação e surge um desejo de ação, que, tão sutil e tão integrado, se confunde com a própria ação.
o mais comum é não sentirmos tudo até o fim e nos distrairmos, então esse desejo-ação não chega a se manifestar, fica lá escondido junto com a emoção, gerando sintomas físicos variados.
mas às vezes temos coragem e suporte e confiança o suficiente para sentirmos tudo o que surgir em dado instante, mas há mais uma camada de emoção que surge junto com o desejo-ação, de que tentamos fugir. então reprimimos o desejo de novo.
toda vez que reprimimos esse desejo profundo que nasce de uma emoção plenamente sentida, agimos conforme uma norma social ou algo que já estava preestabelecido como o certo e, embora pareçamos puros e bons, estamos fazendo o mesmo que as pessoas que agem conforme seus impulsos imediatos. as ações de ambos surgem a partir de um condicionamento e uma tentativa de atingir um objetivo, de parecer algo: corajosos, bons, livres... para se sentirem, de algum modo, finalmente aceitos, felizes.
reprimimos esse desejo-ação porque viver essa experiência é viver uma transformação que nos deixa livres inclusive de ser quem acreditávamos tão fortemente que éramos de maneira sólida e definitiva. é viver com uma responsabilidade radical por cada instante e não abandonar o presente em troca de devaneios e vaidades.
o meu exercício dos últimos anos tem sido observar tudo o que não me deixo sentir e simplesmente parar de segurar a emoção, deixando o movimento acontecer naturalmente. mas eu ainda me vejo interrompendo minhas ações em nome de ser boa, dócil, paciente, cuidadosa, desprendida, ou qualquer coisa que pareça elevada. e isso é só continuar agindo conforme impulsos rasos e automáticos, sem presença real. e quando eu me dei conta disso, um caminho se abriu, de ação, de abertura e um desejo de escrever e compartilhar.
talvez ninguém leia isto, mas como é bom voltar a escrever sobre o que me ocorre.
escrevi isto há oito anos. ainda me vejo aí, mas tudo um pouco diferente.
---
vou te contar uma coisa,
eu queria demais.
queria espalhar cor pelo mundo,
queria espalhar alegria,
queria amenizar a dor,
queria demais.
queria abrir as porteiras,
mas ainda deixar lá,
pra quando fosse preciso fechar,
queria deixar os muros bem baixinhos,
pra gente se aproximar.
queria sim, queria tudo.
queria falar das minhas ideias pra uma, duas,
na verdade muito mais,
porque achava que elas podiam curar,
podiam salvar, podiam mudar qualquer coisa com que eu não conseguisse lidar.
queria semear bons hábitos, bons valores, bons costumes,
porque talvez assim fosse mais fácil viver junto.
queria acessar cada um que tivesse dúvida, que tivesse medo e insegurança. queria confortar.
queria que ouvissem minha voz,
que lessem o que escrevi,
que dissessem coisas boas ou ruins,
mas que falassem qualquer coisa sobre algo que fiz.
porque eu queria, queria mesmo, contribuir.
mas, gente do céu, que bom,
alguém me lembrou
que o meu trabalho é comigo, e só.
que não dá pra curar o outro,
que não dá pra fazer nada com o outro e com o mundo.
é só comigo.
esse é meu trabalho.
e nesse trabalho de me curar me encontro com cada um que me aparece e vejo nitidamente, na relação com ele, o que precisa ser olhado em mim.
e há tanto.
e percebo que compartilhar e me relacionar com os outros faz parte da minha cura, e não da deles, embora deles também possa ser.
eu sabia disso, mas em algum momento me perdi. esse momento era quase agora, mas agora não é. agora estou aqui, de novo. compartilhando. mas agora pra me curar e não pra curar você.
... não é silenciar, é simplesmente ficar consciente do silêncio.
quanto mais você procura a novidade, menos você é capaz de reconhecer o inédito cotidiano.