A metafísica das raízes do feminismo: a dor, a revolta, gnosticismo e orgulho satânico
Como o protestantismo e o gnosticismo influenciaram a fundamentação do feminismo no século XVIII
As feministas consideram Mary Wollstonecraft como a primeira feminista porque ela incorpora todos os elementos da metafísica feminista, além de apresentar uma indicação que remete ao Satanás de John Milton, em O Paraíso Perdido. Por essa razão, ela foi escolhida como uma figura emblemática pelas feministas.
Essa tradição, além de integrar elementos metafísicos feministas, caracteriza-se por representar o Deus cristão como maligno, colocando todos que se rebelam contra Ele na mesma posição do próprio Satanás — os rebeldes por excelência.
Essa linha de pensamento conecta o gnosticismo ao satanismo, sendo que, segundo essa visão, toda feminista é gnóstica. Olympe de Gouges, pseudônimo de Marie Gouze (Montauban, 7 de maio de 1748 – Paris, 3 de novembro de 1793), foi uma dramaturga, ativista política e feminista que escreveu um ano antes de Mary Wollstonecraft. Sua tradição é francesa, em contraste com a inglesa de Wollstonecraft. Ela escreveu declarações dos direitos da mulher, exortando as mulheres a deixarem de ser mesquinhas, ardilosas e manipuladoras, defendendo que o novo regime exigia delas maturidade.
A mulher, usada como ponte entre a revolta feminina e o movimento que surgiu na Inglaterra no século XVIII, é representada pela imagem de Ofélia, em Hamlet, de Shakespeare.
Ela é vista como frágil, criada para ser frágil, mas também por precisar do equilíbrio de coisas que não consegue controlar e de uma mística.
Por exemplo, Stewart Mill, mesmo sem usar termos ligados à mística feminina, pressupõe que a mulher precisa receber certas condições para exercer determinado empenho, pois naturalmente não o possui. Para ele, as mulheres podem vir a ser algo diferente.
Simone de Beauvoir esforça-se para, sem afirmar que exista uma essência das coisas, ainda manter pressupostos semelhantes aos encontrados em Stewart Mill. Se as mulheres não têm essência, conforme Simone, como pode haver algo que elas possam vir a ser? Nesse contexto, as mulheres negras entram em cena.
O sofrimento universal da mulher é apresentado como algo que precisa vir à tona. A mulher usada como referência para essas teorias não tinha forças naquela época, tem origem bíblica e sofreu modificações conforme a linguagem utilitarista vigente em cada período.
Há um liberalismo presente nessa teoria, sendo Thomas Hobbes um dos fundadores do feminismo dentro desse discurso.
Judith Butler traz o gnosticismo para o discurso feminista. Segundo ela, nem gênero existe, tampouco uma realidade concreta. O que existe é uma performance, e a metáfora que utiliza é a de uma peça de teatro, onde tudo é linguagem.
A natureza feminina e a modernidade possuem uma relação mais ampla.
A falta de distinção entre conceitos acaba colocando tudo sob o rótulo de "mulher", formando um conceito indefinido que se torna o foco de ataque.
O conceito de sociedade no liberalismo moderno, exemplificado pelo contratualismo, é visto como falho e fadado ao fracasso.
A inversão satânica está pressuposta na mística feminista. A proposta de Judith Butler é superar propriamente o ser mulher. Sem a mulher mitológica, não há movimento feminista. Isso foi estabelecido desde o início do conhecimento público da tese de Butler.
E. Michael Jones, em O anti-Logos, ao afirmar que Mary Wollstonecraft é tão conservadora quanto Edmund Burke, reconhece que ambos coadunam com a Revolução Gloriosa. No entanto, leitores sem esse conhecimento prévio podem interpretar erroneamente que se tratam de conservadores tradicionalistas.
O termo usado é "conservadora moral" para referir-se a Mary Wollstonecraft, o que gera um problema interpretativo. O "eterno feminino", usado pelas feministas, vem de Goethe, em Fausto: as mulheres sempre serão interiores, coitadas, e terão por vícios as coisas fúteis. Essa ideia denuncia o interesse excessivo das mulheres por futilidades, mostrando-as como frágeis e vaidosas.
As feministas argumentam que isso não é algo natural da mulher, mas sim coerção do patriarcado. Contudo, o termo "patriarcado" esconde a raiz esotérica do feminismo: refere-se ao demiurgo, que teria aprisionado essas mulheres em gaiolas invisíveis — gaiolas mentais — escravizando-as metafisicamente.
Nas teorias fundamentais feministas, fala-se em três selos. Essa prisão pelo demiurgo coloca as mulheres em uma condição de inocência primordial. Essa inocência precisa ser rompida e, ao mesmo tempo, isenta a mulher de qualquer responsabilidade por seus atos mais violentos, como se ela não tivesse livre-arbítrio. A mulher é vista como frágil e viciada em questões fúteis.
O feminismo busca eliminar essa suposta inocência, utilizando um espantalho: a mulher fútil, levada a atos atrozes por outros, especialmente homens. Esse espantalho pode ser encontrado na imagem de Ofélia, em Hamlet, de Shakespeare.
A história mostra, porém, que a mulher é capaz de ser manipuladora.
Olympe de Gouges, contemporânea francesa de Mary Wollstonecraft, fala de mulheres bruxas, apresentando uma petição pelos direitos das mulheres. Ela afirma que as mulheres foram capazes até de tirar a rainha de Versailles quase nua do interior do castelo, e depois fingiram que não eram as mesmas, atribuindo a si mesmas qualidades unicamente de fragilidade e inocência. Ela denunciou que as mulheres são capazes de atos atrozes e que deveriam cessá-los.
Por isso, as feministas não a consideram útil a seus planos até mais tarde. Christine de Pizan (Cristina de Pisano) foi uma poetisa e filósofa italiana que viveu na França durante a primeira metade do século XV. Ela rebateu argumentos que pareciam oferecer um viés teológico e ontológico nas discussões públicas sobre o papel das mulheres na época, denunciando que avançar nesse sentido seria heresia.
Esses textos, porém, não tinham intenção teológica.
Mais adiante, no século XVII, calvinistas usaram panfletos dessas discussões públicas para fundamentar uma noção de mulher a partir de uma deturpação da figura de Eva, que teria sido incapaz e deveria ser controlada por Adão.
Assim, os panfletos foram resignificados para fins teológicos e políticos, redefinindo o papel de Eva.
Para os calvinistas, Eva não é soberba, como diz São Tomás de Aquino, mas inocente, sendo o alvo inicial de Satanás em forma de serpente.
Nunca houve, entre católicos e primeiros protestantes, uma discussão sobre ser mais culpado um ou outro no pecado original.
Contudo, para os calvinistas, essa ideia está presente desde sua fundação. Portanto, o feminismo nunca foi sobre direitos ou importância social das mulheres, mas sobre a revolta feminina e o orgulho satânico alimentado por elas, usando o espantalho da mulher frágil e fútil para expressar o que é fundamentalmente satânico.
A Sociedade Teosófica, com Madame Blavatsky e seus seguidores, já dizia o mesmo que essas primeiras feministas, como Mary Wollstonecraft, diziam: são gnósticas.
Cada mudança de pauta no feminismo é parte do ciclo eterno da estrutura revolucionária, da eterna rebeldia e do orgulho satânico: sufrágio, tirar a roupa, aborto, entre outros temas.
Eles tentam sempre superar essa contingência: a cruz.
É o eterno ciclo de luta contra a estrutura de todas as coisas.
As mulheres anteriores a Mary Wollstonecraft estavam relacionadas à Universidade de Cambridge; eram neoplatonistas, estudavam a Cabalá e desviavam-se de Deus.
As mulheres Quaker foram as primeiras a introduzir essas ideias teológicas no contexto político.
Por isso, é justo dizer que Camille Paglia é uma feminista herética, visto que ela não concorda com a visão da mulher como frágil e inocente por natureza. Ela utiliza alguns aspectos de Dionísio e Apolo, a partir de Nietzsche, para explorar os aspectos masculino e feminino. Não existe sofrimento universal feminino.
Somente no gnosticismo existe esse prejuízo natural da matéria.
O pós-modernismo, que começa atacando a natureza e substância, ao afirmar que tudo é construção, ataca também o sofrimento universal feminino — que não é sofrimento de contingências, mas sofrimento de existir na matéria.
O feminismo já estava morto desde a queima dos sutiãs. Ali ocorreu a convulsão final. Judith Butler veio depois disso.
Camille Paglia não entendeu essa metafísica feminista e, ela própria, tem por objeto de interesse outro tipo de gnose.
*Fonte*: síntese de aulas de Débora Luciano, com o contexto de que o feminismo está morto e a mulher também.