quando nós nos deixamos sentir tudo o que chega pra sentirmos e não tentamos esconder, negar, reprimir as emoções, somos abraçados por uma transformação e surge um desejo de ação, que, tão sutil e tão integrado, se confunde com a própria ação.
o mais comum é não sentirmos tudo até o fim e nos distrairmos, então esse desejo-ação não chega a se manifestar, fica lá escondido junto com a emoção, gerando sintomas físicos variados.
mas às vezes temos coragem e suporte e confiança o suficiente para sentirmos tudo o que surgir em dado instante, mas há mais uma camada de emoção que surge junto com o desejo-ação, de que tentamos fugir. então reprimimos o desejo de novo.
toda vez que reprimimos esse desejo profundo que nasce de uma emoção plenamente sentida, agimos conforme uma norma social ou algo que já estava preestabelecido como o certo e, embora pareçamos puros e bons, estamos fazendo o mesmo que as pessoas que agem conforme seus impulsos imediatos. as ações de ambos surgem a partir de um condicionamento e uma tentativa de atingir um objetivo, de parecer algo: corajosos, bons, livres... para se sentirem, de algum modo, finalmente aceitos, felizes.
reprimimos esse desejo-ação porque viver essa experiência é viver uma transformação que nos deixa livres inclusive de ser quem acreditávamos tão fortemente que éramos de maneira sólida e definitiva. é viver com uma responsabilidade radical por cada instante e não abandonar o presente em troca de devaneios e vaidades.
o meu exercício dos últimos anos tem sido observar tudo o que não me deixo sentir e simplesmente parar de segurar a emoção, deixando o movimento acontecer naturalmente. mas eu ainda me vejo interrompendo minhas ações em nome de ser boa, dócil, paciente, cuidadosa, desprendida, ou qualquer coisa que pareça elevada. e isso é só continuar agindo conforme impulsos rasos e automáticos, sem presença real. e quando eu me dei conta disso, um caminho se abriu, de ação, de abertura e um desejo de escrever e compartilhar.
talvez ninguém leia isto, mas como é bom voltar a escrever sobre o que me ocorre.
escrevi isto há oito anos. ainda me vejo aí, mas tudo um pouco diferente.
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vou te contar uma coisa,
eu queria demais.
queria espalhar cor pelo mundo,
queria espalhar alegria,
queria amenizar a dor,
queria demais.
queria abrir as porteiras,
mas ainda deixar lá,
pra quando fosse preciso fechar,
queria deixar os muros bem baixinhos,
pra gente se aproximar.
queria sim, queria tudo.
queria falar das minhas ideias pra uma, duas,
na verdade muito mais,
porque achava que elas podiam curar,
podiam salvar, podiam mudar qualquer coisa com que eu não conseguisse lidar.
queria semear bons hábitos, bons valores, bons costumes,
porque talvez assim fosse mais fácil viver junto.
queria acessar cada um que tivesse dúvida, que tivesse medo e insegurança. queria confortar.
queria que ouvissem minha voz,
que lessem o que escrevi,
que dissessem coisas boas ou ruins,
mas que falassem qualquer coisa sobre algo que fiz.
porque eu queria, queria mesmo, contribuir.
mas, gente do céu, que bom,
alguém me lembrou
que o meu trabalho é comigo, e só.
que não dá pra curar o outro,
que não dá pra fazer nada com o outro e com o mundo.
é só comigo.
esse é meu trabalho.
e nesse trabalho de me curar me encontro com cada um que me aparece e vejo nitidamente, na relação com ele, o que precisa ser olhado em mim.
e há tanto.
e percebo que compartilhar e me relacionar com os outros faz parte da minha cura, e não da deles, embora deles também possa ser.
eu sabia disso, mas em algum momento me perdi. esse momento era quase agora, mas agora não é. agora estou aqui, de novo. compartilhando. mas agora pra me curar e não pra curar você.